A Espada.

    De que me adianta seguir em frente, se sei que mais adiante irei encontrar-te? De que me adianta ir, e tentar não pensar, e pensar no ódio, e relembrar o amor, e relembrar as coisas que um dia escreveram poemas tão lindos, se hoje já não queres mais viver tudo isso mais uma vez? De que me adianta tentar escrever mais versos, e mais parágrafos, e mais prosas, e mais poemas, e sempre receber uma nota frustrada escrita em papel pardo rasgado? Não... Não vou mais esperar por tuas rosas mortas.

    A vida me treinou. Com a espada em punhos, sempre me dizia quais situações mereciam piedade e quais mereciam ter o pescoço arrancado pelo aço. Com o escudo em meu braço, rebati, muitas vezes, os golpes proferidos contra minha dignidade. E minha armadura sempre foi a minha honra e meu orgulho. Mas quebraste minhas defesas. Retirastes minha honra qual fiapos de panos velhos, e encravastes tua lâmina em meu peito, em cheio em um coração desprotegido. A vida, minha mestra sublime, apareceu em minha frente, e proferiu todos os meus erros. Eu havia falhado.

    Por tempos então, vivia a seguir tua sombra, sentindo a dor de uma cicatriz, mas sem nunca reclamar. Vendastes meus olhos com aquele velho pano vermelho e então me acorrentou o pescoço. Foram muitos dias longe da minha espada. Mas enfim... Enfim o Sol nasceu.

    Por entre a luz do Sol vi tua verdadeira face. A face que expressava a tirania e o controle. Controle que, ao mínimo descuido, perdeste! Enfim, livre! Ao tomar de volta minha espada, perfurei-te o crâneo e, mesmo vendo que a ferida não foi tão forte assim, deixou-me ir.

    Em meio a palavras e algumas canções, eu voltei para minha mestra, que hoje me recebe de braços abertos. Minhas vestes, minha armadura, minha honra e, principalmente, minha vida, eram minhas outra vez. E sigo, então, por entre a floresta dos horizontes de outono. Mas agora, sem medo das canções de amor que antes me seduziam. Agora, a sedução resulta na espada. O aço responde por minhas ações, e não mais terei medo de lutar.

    Então, pergunto-te: De que me adianta seguir-te, se não mais me entorpeces? De que me adianta anotar frase que não vou usar? Pois bem, minha Linda... Já não faz diferença.

O Sol de Ícaro (Desabafo IV)

    Via-me completamente perdido. A neblina não me deixava enxergar e tudo parece cada vez mais turvo. Por muitas vezes tentei ver e todas foram apenas tentativas frustradas. Acho que isso ajuda a construir minha fama de pessoa soturna e exagerada. Queria só enxergar, mas meus óculos estavam sempre com as lentes sujas, e a realidade parecia aquela fantasia que tomos temos.

    Mas eis que vi, então, um molde. Molde de asas. Asas de cera. Meu caminho estava traçado: sair dessa prisão maldita de pensamentos errôneos usando minha mais nova esperança. Mas... Meu caminho é traiçoeiro. E então me vejo na dúvida de morrer na prisão ou morrer na queda pelas asas derretidas.

    Todos morremos. Mas saber a data da sua morte a torna mais tenebrosa. E cada vez mais você a teme, e cada vez mais a adrenalina sobe a mente. As coisas vem na sua mente e tudo o que te resta a fazer é escrever. Escrever e escrever muito, sem se preocupar se está bom, se as palavras fazem sentido ou se alguém vai falar mal. Afinal, de que importa, se vais morrer?

    A vida passa muito rápido. Piscamos os olhos e nossa adolescência chega ao fim. E pensamos que poderíamos ter feito mais merdas, pois, a partir de agora, seremos julgados pelas merdas que fizermos. E nossa vida agora se resume a acordar de manhã com dor no pescoço e vê seus ossos extremamente magros nos joelhos. E você não tem a quem culpar. E só te restam as asas de cera.

    Eu pulei. Eu não pensei e pulei, e me arrisquei, e vesti minhas asas e fui de encontro ao sol. A cera, agora parcialmente líquida, escorria por entre meu peito e eu via, em cada gota que caia em encontro a terra, as cenas das coisas que passei acreditando que eu poderia ser feliz me prendendo a coisas que não faziam sentido. E naquele momento em que eu percebi que comecei a cair, percebi a mais dura e triste verdade.

    O caminho da saída da prisão era a janela aberta. Mas o sol, meu destino, destrói minhas asas. É a morte ou a morte. Eu escolhi a mais livre dentre elas.

Tuas Cores.

    Pintas teu mundo de vermelho. O sangue que corre em ti é tão vermelho quanto tua paixão e teu prazer em amar a quem te quer. Mas vede: já não há mais motivos. Tua vida se resume ao verde-musgo frio de pensamentos vagos, e não mais naquela paixão que outrora foi por tantas vezes um carmim perfeito.

    Tinges seu mundo de azul, pra disfarçar as tonalidades de sua insatisfação. Procuras, falha e perdidamente, uma resposta para tuas perguntas criadas a partir de tentativas de se responder a outras perguntas. Sentes tua vida se tornando cada vez menos clara. O laranja, sempre tão extravagante, vai lentamente se tornando o pêssego quase indistiguível do salmon.

    As esperanças da esmeralda verde se dissipam em pequenos fragmentos cinzas. Tão cinzas quanto sua mente, que, ao pensar em cores que possam melhor seu humor, te colocam para baixo, em leves tons de sépia. Tua vida, sempre tão lomográfica, tão perfeita, agora se revela cada vez mais escura e cada vez mais próxima do preto.

    O preto. Preto é a obscura razão. A contentamento insatisfeito. E não, não lutar para mudar, apenas conformar. Conformar e registrar o momento da derrota em preto e branco.

    Será que és tão tolo a ponto de ver bondade até na hora de perder? Será? Talvez... Já não importa, afinal. Agora, tua pintura, que antes era o mais rico óleo, agora se assemelha a guaches infantis, e tuas conformações, tuas aceitações e tua falta de vontade própria se revelam a aquarela dessa guache de tons escuros.

    Poetizas teu mundo. Talvez o faça para desabafar. O pincel te mostra tua vida barroca, com as tuas imensas felicidades claras e iluminadas, seguidas por tuas depressões exageradas, escondidas nas sombras contrastantes. És, claramente, um homem insatisfeito, e com medo das pessoas. Não tenhas medo! A vida é curta e a dor não é tão glamourosa assim.

    Pintas teu mundo de vermelho. Se não pode ser vermelha, que pelo menos pareça.

Crônica II - Flores e sonhos

    "Ok, eu não vou mais sonhar", bradou para o espelho, com toda a convicção de alguém que acabara de passar por mais um trauma. Não era o mais esperto dos homens, mas sabia quando iria se dar mal. E era por que iria se dar mal que iria em frente com o projeto "suicida".

    Sonhar lhe era prejudicial à saúde. Lhe fazia tossir, espirrar e muitas vezes abria uma heinekens bem gelada pra se curar das eventuais dores de garganta. Sonhar era chato. Sempre os mesmos sonhos, os mesmo desejos, tanto carnais quanto os emocionais. Quero dizer, pra um cara de trinta e tantos anos, é deprimente morar sozinho em um apartamento pequeno em Boston. Principalmente da parte ruim de Boston.

    Mas é só falar que não quer mais esse coração, que ja bate a pena de jogá-lo na fogueira. "Acho que o que eu preciso é de mais cerveja..." pensou, e pegou a chave do carro encima da mesa de madeira totalmente marcada pelas inúmeras latinhas que ja tinham dormido ali. Andando pela avenida principal, viu aqueles outdoors enormes com mulheres que não parecem existir de tão perfeitas, promovendo um produto que não funciona. A mulher do canto lembrou ele daquela mulher que o fizera parar no espelho feito um idiota, e proclamar mantras pra esquecer da vida. Mulheres...

    Tudo que ele queria era uma simples noite de paz... É dificil viver em Boston, ainda mais quando sua única fonte de renda é uma mercearia, mas dormir não é tão dificil. Pelo menos não deveria ser. Ao entrar no mercado, viu outra mulher muito parecida com sua "ex-dor de cabeça". Ele não podia acreditar que nem mesmo longe dele ela não o deixara em paz. "Vou visita-la... Quem sabe isso não me acalme um pouco.". Foi isso que ele falou antes de pegar o terceiro engradado.

    De frente ao mercado, havia uma floricultura. Ele entrou e comprou algumas tulipas. A garota do caixa o olhava como se quisesse entender o que um cara com barba por fazer e jaqueta da Harley-Davidson fazia comprando tulipas. Logo tulipas... Como ele sabia o que eram tulipas?

    Depois de resmungar sobre o espanto da atendente, pegou o carro e seguiu. O caminho era escuro e, para deixar o cenário ainda mais melancólico, a chuva começou a cair sobre o parabrisa de seu Impala. Ele passou pelo portão do cemitério e foi em direção aos jazigos maiores.

    "Elizabeth C. White  1976 - 2007" eram as inscrições de um grande túmulo. Um dos maiores de todo o cemitério. Ele olhava fixamente pra foto desgastada, e seus olhos enchiam-se d'água. "Você me largou... E nem me ensinou a me apaixonar de novo, né? Você é uma egoísta". Ele deixou as tulipas encima de várias outras tulipas mortas, e voltou para casa. Afinal, ele tinha quatro engradados de cerveja pra colocar na geladeira.

    No caminho de casa, enxugou as lágrimas e pensou "Eu tenho que aprender a sonhar de novo..."
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