The Who


   Eu, há muito tempo, era uma pessoa. Essa pessoa morreu e deu lugar a outra, que fugiu logo depois, dando seu lugar à uma terceira, que não é quem eu sou ainda. Sou uma quarta pessoa, que agora pretende se manter. Mas não tenho certeza, já que tudo muda, e eu mudo junto com tudo.


   Mas... Então... Quem sou eu afinal? Se alguém pedir pra que eu me descreva, como responder? Sou variável. Já tive muitos valores desde que me entendo por gente. Muitos gostos diferentes e todos muito diferentes entre si, mas englobando as mesmas coisas. Tudo na minha vida parece tão paradoxal... Já nem sei direito o que é real, o que vai vingar, qual pensamento que vai se manter em minha mente. Tudo aqui é muito solúvel.

   Mas infelizmente personalidade não é uma grandeza física onde eu posso simplesmente tirar uma média de tudo o que eu fui e sou, e dizer que "esse sou eu, mais ou menos". Se fosse assim, eu teria muitas contas a fazer. Mas não é, isso não é algo que eu possa medir. Está fora do meu controle estagnar meus pensamentos e definir uma personalidade fixa.

   Parando pra pensar agora, a unica coisa fixa na minha personalidade é que ela é moldável. Que ela é amorfa. Que ela pode ser qualquer coisa, a qualquer momento, sem que eu controle isso.

A paz que eu não quero

   Nossa, é tão fascinante tudo isso. Em um momento você está vendo a estrada se mover, e no outro você está preso em um engarrafamento, sem nada pra fazer a não ser pensar na vida ou escutar as poesias de Jim Morrison. Claro que é perfeitamente possível fazer os dois ao mesmo tempo.


   E pensar não é difícil... É, na verdade, uma das coisas mais fáceis que eu já fiz. Simplesmente prestar atenção em absolutamente tudo que passou pela sua vida inteira e se arrepender, ou se orgulhar, ou sorrir, ou levar as mãos ao rosto por vergonha. Na maioria das vezes que pensamos, gastamos mais tempo com as coisas ruins do que com as boas. Afinal, qual a graça de ficar sempre lembrando que "meu dia foi maravilhoso"?


   Tentando colocar de uma certa forma, é como se fôssemos caçadores de recompensas, caçando dificuldades pra superar e colocar em uma gaveta escrita "problemas solucionados". Falamos pra todos que temos muito orgulho de tudo que está nessa gaveta, mas nunca abrimos ela, a não ser pra colocar mais uma tralha la dentro e esquecer. Mas quando temos um problema tão grande que ocupa nosso tempo, nós podemos reclamar, falando que está tudo muito difícil, mas sentimos falta dessa dificuldade quando acaba. Tudo fica muito parado. Quieto demais.

   Por isso a tristeza e a dificuldade são mais belas que a felicidade e a paz. É muito bonito estar em paz consigo mesmo, estar feliz e tudo o mais, mas pra se estar em paz, em algum momento se esteve em guerra, e agora que se está em paz você se pergunta o que tem pra se superar. Nada, eu digo. Não há nada pra superar, nada pra mostrar que somos capazes de algo, a não ser as lembranças. Mas ninguém gosta de viver de lembranças.

   E, convenhamos, paz é uma coisa extremamente chata.
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